25.3.06

Tragédia em 5 Atos

1
Prédios emergem das pedras
pro alto, pra perto da lua.
Às seis da madruga,
dois velhos embaixo
deitados na rua,
na porta dos botecos de esquina,
na quina entre o aço e o asfalto,
no silêncio entre os sons de buzina.
Entre espaços de tempo,
nos intervalos da vida.

2
Se ao meio-dia sonham,
são loucos
que aos poucos morrem
sem nota em jornal,
feito pedras que dormem.
Choram se acordam,
se dissolvem em lama,
cheiram mal
os figurantes da cena.
Não querem nem fama,
existir apenas.

3
Os prédios emergem do plano,
onde, sob pressão e pressa,
reside e transita o império.
Impera o ódio
que desloca o sol,
a loucura governa
sobre onde tem chão.

4
Os velhos logo se tornam
novos mendigos,
que serão removidos
por meninos em trapos
que nascem e crescem
no meio da noite,
que vivem e morrem
nos sacos de lixo.
As latas serão recicladas,
o chorume, apodrecido.
Os idosos perecerão dos males
que os jovens terão superado.

5
Nada se perde,
nada se cria,
a urbe defeca
e a miséria absorve.
O burgo vomita,
a barbárie incorpora,
e a vida se segue
sem dar qualquer nota
aos velhos na rua,
às seis da madruga,
debaixo dos prédios
que emergem do asfalto,
crescendo pro alto,
pra perto da lua.