21.7.06

Anúncio de jornal da seção de obituário

1

A teoria é o caos
de quem estuda a lição,
do autodidata que é
quem se dá o dever
de poder perder.
E que gosta,
degusta,
e ganha.

Álcool ou Sativa:
hora divide,
outrora multiplica,
ilude se quiser
o matemático da vida
que é cientista de Deus,
antropólogo de si,
pastor
e alquimista.

2

Na prática,
a ordem nasce da jubilação,
sobre o xingamento do repetente,
injustiçado, descontente,
que se torna fumante e acende
para parar de pensar.
Na polícia que prende,
que é bandida e refém,
no operário que puxa
o saco do outro,
e no mendigo que passa e que deita
no fundo do poço do elevador de serviço
de um alto edifício
cuja cobertura dá de frente pro chão.

3

Tá bom, ok,
nem teoria, nem prática,
um pouco dos dois e vamos ao que interessa:
ao lado escuro da lua,
do outro lado da rua,
que é o lado escuro da morte,
a vida,
uma deserta via expressa.

4

Ser um suicida
é não ser mais um assassino
armado de escudo pra matar o destino
e morrer na garupa.
Apenas sentar sobre a vida,
atrás dum cinto seguro, dum tecido escuro,
em cima dum assento macio,
mixuruca.

Ser só o carona,
no colo dum caminhoneiro gentil chamado papai,
um ignorante a mais de mil,
distante anos-luz de mim.
Deslocado do seu pólo,
do habitat original,
hoje funcionário duma multinacional,
adestrado em canil.

Dirigindo sobre pedras, sobre lama, sobre mato,
vagando madrugada adentro,
infeliz, desgraçado,
dentes pontudos e podres.
É nossa genética, nossa biologia, nossa sociologia,
um pasto tão desgastado
que o próprio gado pereceu sobre.

5

Portanto só me resta dar a mão
a outro aprendiz na contramão,
a outro repetente
que também tente e que me entenda,
de repente outro fumante
que também acenda e se levante,
que também enfrente
a polícia bandida e refém,
o operário puxa-saco
e o mendigo no poço.

Procuro uma jovem suicida
disposta a soltar o seu cinto,
a acelerar sorrindo e a saltar do caminhão.
Alguém com um pingo de esperança,
de fé, de confiança,
que saiba que o chão não nos pára, não.

Procuro urgentemente uma jovem suicida
que renuncie a prata pra quebrar a cara.
Algum corpo sem herança e sem lembrança,
que flutue enquanto caia.
Se leres este anúncio
me procure e entregue o ouro,
de a mão na caça ao tesouro
a uma criança desconhecida,
desprotegida,
sem pai.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

I JUST WANT TO BE FREE....

6:57 PM  

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