23.7.07

SOLTANDO O VOLANTE

De vez em quando você pensa que talvez... Mas não. Não existe talvez. O seu destino foi traçado muito antes de você começar a ter problemas, e não é agora que eles já estão amadurecidos que as coisas vão começar a melhorar. Esqueça qualquer esperança. Sua alma já está podre, você não tem salvação.

Você está dirigindo pela cidade. As pessoas passam por você em câmera lenta, e quando estão a um quarteirão de distância, deixam de existir. O que mais machuca ao longo da viagem é ter que lidar com o desaparecimento das belas mulheres. Elas se esvaem, tanto quanto os postes e os canteiros sobre as calçadas. Você permanece recostado no assento, sentindo o espaço vazio no banco do carona. Não tem nada pra ser pensado sobre isso, você pensa, e foca os olhos no horizonte. Sua visão é a de que a rua é infinita, e ao longo dela há uma sucessão de sinais que mudam de cor ordenadamente.

Então o próximo sinal lhe avisa que é hora de você parar e esperar. Você coloca em ponto morto e freia. Um carro emparelha com o seu. Dentro dele, há um casal feliz, feio e feliz, sorrindo e dizendo agrados um para o outro. Você fecha o vidro pra não ter que lidar com a situação e segue viagem assim que o sinal se abre. Pelo menos esses têm um bom motivo pra deixar de existir.

Você segue sem estabelecer um destino específico, mas ainda assim ele existe e foi escrito antes de você pensar em fazer escolhas. Portanto, não se preocupe. Está tudo certo. Você não fez nada de errado, você simplesmente TEM que passar por isso. E ponto final. Esse é o SEU caminho.

Mas aproveite pra vangloriar-se de todas as suas realizações. De todas suas notas altas. Dos trabalhos que você fez. Das mulheres que você comeu. Tire fotos de todos esses momentos e prenda-os no espelho do seu banheiro para que você possa revivê-los todas as manhãs, antes de sair às ruas, e todas as noites, antes de voltar pra cama. Isso te dará coragem pra encarar as pessoas e pra sonhar com o dia de amanhã. Quando te olharem na rua, no trabalho, nas rodas de amizade, verão nos teus olhos a força de um vitorioso e te reconhecerão como um homem feliz. E como todos gostam de estar ao lado de pessoas felizes, talvez então você arrume uma bela mulher e seja verdadeiramente feliz... Mas não. Não existe talvez.

Você gira o botão do volume do rádio pra não ter que pensar a respeito. Você rodeia a agenda de telefones gravada no celular. Você passa por um inferninho cheio de mulheres vulgares e bêbadas e pensa que talvez... Ok, talvez nesse caso exista um talvez.

***

Você acorda e olha o relógio. 13:47. Roupas e papéis espalhadas pelo chão. Duas camisinhas usadas também. Você lava o rosto e em seguida ergue a cabeça. Pregadas à borda do espelho, os melhores momentos da sua vida. Você e seus pequenos amigos dos quais você mal lembra os nomes, uniformizados, tocando a zorra no último dia de aula da sétima série. Você e seu chefe velho e barrigudo, ambos engravatados, sorrindo e apertando as mãos. Você e aquela ninfeta que você tirou o cabaço e que voltou pro bucha do namorado na semana seguinte. Todos os personagens secundários e os figurantes da farsa que você anda vivendo. Você vai fazer café pra não ter que pensar a respeito.

Você finalmente percebe que seu cotidiano é realizar uma sucessão de tarefas pra não ter que lidar com a própria desgraça e que anda se esforçando para acreditar que está caminhando em direção à salvação, mas a tal estratégia simplesmente não está dando certo. Não está, caralho! Os sinais de trânsito continuam surgindo no horizonte e o marcador de gasolina está cada vez mais baixo. O carro vai parar a qualquer momento e tudo que você pode fazer é trocar o óleo de vez em quando. Se é que você me entende.

***

Enquanto a estrada segue passando em alta velocidade, você procura mais pretextos pra cobrir o tempo vazio. Pra fugir do silêncio. Pra calar a própria consciência. É sempre assim. O mundo à sua volta pára, e então sua cabeça começa a girar. Depois de um tempo, o mundo volta a girar e você acaba ficando enjoado. Você passa a vomitar palavras pouco amorosas nas pessoas. Então volta a dar valor ao silêncio, mas aos poucos o silêncio vai se tornando tedioso e depois assustador, daí você busca algo pra se fazer, como dirigir a esmo pela madrugada.

Até que mais um belo dia amanhece, com uma foto estampada na capa dos jornais da sua cidade: o seu carro espatifado num poste. Um casal acorda, lê a notícia de que você avançou o sinal e lamenta. As pessoas que te conheciam lamentam mais ainda. As pessoas que conheciam as pessoas que te conheciam lamentam um pouco menos. Você descansa em paz. E os carros, na sua cidade, continuam obedecendo aos sinais de trânsito, sem estabelecer um destino específico.