23.7.07

Pretexto

A mãe dele veio visitá-lo agora a noite, na casa da avó dele. A mãe dele é uma mulher de cinqüenta bem conservada, sã de corpo e alma, divorciada do seu terceiro casamento e que, por sinal, anda bem carente. Ela veio com o pretexto de pegar algumas roupas para viajar. A avó dele é uma mulher de oitenta e poucos, depressiva e hipocondríaca, mora na França, é viúva e, por sinal, anda bem carente. A mãe dele está indo encontrar com a avó dele, na França. Elas vão passar um tempo juntas. Uma parece estar precisando muito da outra. A pergunta é quanto tempo vai levar até que elas comecem a se estrangular.

Ele tem 26. É bonito, mora em ipanema, vem sendo solteiro desde sempre e, por sinal, anda bem carente. Se você estiver interessada, apareça na casa da avó dele, numa madrugada, na Rua Paul Redfern, 52/401, ou melhor, adicione ele no orkut antes. Assim ele saberá como você se parece e como você tenta se vender para o público leigo. Em seguida, adicione-o também no msn. Depois pegue seu telefone. O endereço. Ops. Você já sabe o endereço, então esqueça todos os outros pretextos e apareça na casa da avó dele, sem aviso prévio. Ou nem apareça, não vai perde grande coisa.

O que sempre lhe chamou a atenção foram os pretextos. Os pretextos que as pessoas usam para fazer o que querem fazer, a forma como se desviam de seus caminhos sem se dar conta, enfim, a fuga. Todos fogem de alguma coisa. De algo a que temem, algo que num passado muito longínquo não tenha dado certo, talvez até numa outra vida. E a vida cotidiana é feita de uma sucessão de pretextos que você cria para te desviar da tua coisa. Da tua questão. Como por exemplo, o português do botequim que olha o relógio para não ter que te encarar enquanto você cata moedas pra comprar um cigarro. O tempo é pretexto pra ele. Ou sua mãe, que vem visitá-lo sob o pretexto de pegar algumas roupas. Ou sua avó, que te liga, por engano, duas vezes por semana.

Num mundo onde há cada vez mais gente e elas valem cada vez menos, tudo pode ser pretexto para evitar que o outro pense que você está carente e precisa dele. A verdade é que estamos todos cada vez menores, e um simples abandono pode te fazer desaparecer do mapa. Evaporar. A carencia nos fode, nos empurrando ainda mais para solidão. A gente não se expressa direito. Tem medo um do outro. Procura refúgio o tempo todo. É cada vez mais raro um encontro que se realize pelo simples prazer do encontro.

Ele sabe disso. A mãe dele, em algum lugar de sua cabeça, sabe disso. A avó acha que sabe disso, mas esquece o tempo todo e põe a culpa no tal do Alzheimer. Por isso, ele escreve. Pra se lembrar disso, da próxima vez que sair na rua. Pra que sua mãe leia e pense a respeito. Pra que sua avó, um dia, do céu, se orgulhe do que seu neto escreveu na Terra. Ele escreve pelo bem dele e do resto da humanidade. Ou todo este texto é um mero pretexto pra que ele se ocupe e fuja mais uma vez da carência e da solidão.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

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11:10 AM  

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