6.2.14

No meio do poste, tinha um moleque... Tinha um moleque no meio do poste.

Isso pra mim é poesia. Talvez seja uma poesia sórdida, macabra, sarcástica... Mas eu gosto desse tipo de poesia, seja nos livros do Bukowski, seja nos filmes do Tarantino, seja na merda do facebook. É a poesia crua do cotidiano, que nos pega de surpresa e nos toca o coração, e que nos faz pensar um pouco enquanto a enxurrada de baboseiras continua passando na frente aos nossos olhos. Ok, talvez eu seja um doente. Ou talvez estejamos vivendo numa sociedade doentia, onde alguns – que ainda se julgam sãos, superiores, evoluídos – se sentem capazes de fazer julgamentos. Sinceramente: a imagem do moleque preso no poste não me causou indignação ou revolta. Tampouco me senti representado pelos malucos que o botaram ali.

Num primeiro momento, confesso que achei engraçado. A atitude de colocar um cara, que até onde se sabe rouba bicicletas e roupas, pelado e preso com uma tranca num poste é no mínimo irônica. Você pode concordar ou discordar – eu não faço nem um nem outro –, mas foi uma sacada peculiar. Tanto é que deu no que deu. De um lado, a burguesia que vive no conforto e na segurança se revoltou. Acharam tortura, fascismo, racismo. Como se isso tivesse alguma coisa a ver com posição política ou discriminação racial. Do outro lado, a classe média inconformada vibrava; era a sociedade civil fazendo justiça com as próprias mãos. E os direitos humanos? Acordem, direitos humanos é um bando de palavra bonita escrita num pedaço de papel. Aqui nunca teve nada disso, e se você acha que teve, é porque é filho de alguém com grana. Quem é fudido sabe que viver por aqui é uma questão de deveres, não de direitos.

Já vi acontecer coisa muito pior por muito menos. E todos nós vemos isso, todos os dias. Mas uma coisa é passar no cinema, na televisão, algo que acontece em algum país distante, ou na favela depois do túnel. Outra coisa é ser do lado da sua casa.

Deixa eu te perguntar uma coisa: você viu Bastardos Inglórios e torceu pra que os Judeus ganhassem no final? Você viu Jango e achou do caralho quando o negão matou a galera da Ku Klux Klan? É, talvez você seja tão doente como eu. Mas aquilo é só um filme, não é verdade? Na vida real é diferente. Bom, ambos os filmes mostram pessoas socialmente oprimidas fazendo justiça com as próprias mãos; isto é, escurraçando seus opressores. Quando um moleque fudido sai da favela revoltado, deixando a mãe - que é empregada doméstica – com lágrimas nos olhos e vai em busca de uma vida melhor através do crime, ele representa um desses vingadores tão glamourizados pelo cinema e pela literatura. Quando um rapaz de classe média, que viu sua mãe chegar em casa apavorada - depois de ter sido sequestrada, roubada e quem sabe torturada -, apreende o bandido que a acuou, ele faz o mesmo. Eu particularmente não faço ideia de quem seja o moleque preso no poste e nem o que ele tenha feito. Também não sei dizer quem são os tais “justiceiros” e o que exatamente eles fizeram com o moleque. Só sei que somos um bando de espectadores vivendo mais um capítulo da saga "Civilização Vs Barbárie" ou vice-versa, e que qualquer lado que você escolher nesta batalha será preconceituoso, simplista e idiota. Afinal de contas, ninguém sabe realmente o que aconteceu. Todo mundo está tirando conclusões precipitadas em cima de uma simples imagem e das informações truncadas que chegaram até nós.

É muito estranho ver no Jornal Nacional a notícia de que 15 pessoas espancaram, esfaquearam e prenderam o moleque no poste, mas que não exista nenhum vídeo do acontecimento. Justo no aterro, onde há câmeras por todos os lados. Também é muito estranho que estes 15 justiceiros tenham sido presos, mas liberados por fiança sem que haja uma foto ou informação de quem sejam eles. Parece que ninguém se dá conta de que somos um bando de marionetes assistindo a um filme de ficção, direcionados a tomarem nossas posição em relação a estes personagens. Só que esses personagens são pessoas reais, e – repito - nós não fazemos a menor ideia de quem eles sejam e do que eles fizeram.

Qual a conclusão que se tira de tudo isso? Nenhuma. Por isso que eu acho tão engraçado. Quando eu vejo a galera se revoltando contra o acontecido, acho ridículo. O argumento é de que não é papel da população fazer o que bem entende contra os meliantes, a polícia e o estado é que devem cuidar disso. Mas o que vocês acham que os PMs fazem com ladrões de bicicletas? Servem café enquanto preenchem o boletim de ocorrência? Eles tem sorte de tomar uma coça, pois uma parte grande acaba na vala. E os sortudos enfrentam cadeia ou Febem, o que por muitos é considerado ainda pior do que a morte. Aposto que o moleque preso ao poste estava menos desconfortável pela situação que estava passando do que pela apreensão do que estava por vir. Daí dois dias depois de ter fugido do hospital, ele aparece na delegacia para prestar queixa. Nunca vi ladrão fazer isso. Com certeza tem alguém por trás. Mas vai saber...

Enfim, aconteça o que acontecer com o moleque e com os justiceiros, o processo continuará o mesmo. O governo, a polícia e os próprios justiceiros – seja lá quem eles forem – continuarão com a tentativa fracassada de limpar a cidade. E a malandragem continuará por aí, morando cada vez mais longe, mas nos visitando sempre que possível. O máximo que você pode fazer é postar um texto e escolher aleatoriamente em quem vai votar nas próximas eleições.

Como se fizesse muita diferença.

Pronto, agora que eu discordei de todo mundo, vocês podem me apedrejar.