19.10.10

A ARTE DE SER ARTISTA

A arte nunca nasce da felicidade. É sempre algo que você faz pra fugir do inferno que está vivendo, pois quando você está verdadeiramente feliz, nada precisa ser feito. Ninguém compõe óperas quando está acompanhado de amigos e mulheres lindas numa praia deserta. O máximo que se faz é celebrar o que já está feito e ter algumas idéias pros próximos projetos. E esta, meu queridos, é a melhor etapa de qualquer arte que se faça. Assim sendo, só escrevo nesse blog quando me sinto um inútil, e ainda assim a coisa não melhora, pois ele vive às moscas. E outro dia eu escrevi sobre “A arte de matar mosquitos”... Desse jeito não vão sobrar leitores - o que não é tanto um problema, já que isso aqui é apenas uma punhetinha intelectual... O pequeno prazer do exercício como caminho para um gozo solitário.

Ok, voltando para a viagem inicial. Ser celebridade é algo muito diferente de ser artista, certo? É fingir que não há inferno. É por isso que as pessoas gostam das celebridades, porque elas lhes dão a esperança de que talvez não seja necessário haver inferno. Mas é claro, é tudo caô. Vivemos num inferno - pelo menos todos nós aqui da babilônia. Incluo neste saco as próprias celebridades, e é aí é que está a raiz da hipocrisia dessa porra toda. Desculpem, estou falando feito um adolescente. Voltarei ao meu ‘literalismo’ de merda num instante.

Estamos no inferno, amigos. Não há descrição melhor para o Rio de Janeiro. Calor, caos, dinheiro, beleza, fama, luxúria, vaidade e inveja. É a ‘roliúde’ brasileira, ou algo próximo disso. Lá na ‘roliúde original’, pelo menos o entretenimento é tido como uma ciência industrial. Aqui tudo é feito meio de qualquer jeito. Maquidonalde cultural. Não há escola pra nenhuma arte e os poucos talentos que existem não são lapidados, logo se perdem pela falta de incentivo ou pelos programas de auditório.

Acho que estou falando demais... Cof, cof, cof.

Agora, quem sou eu pra criticar o ‘sistema’? Um merda qualquer que tirava nota boa em redação quando criança, nada além disso. Se eu fosse um artista de verdade, não estaria nesse blog pitoresco, estaria escrevendo uma coluna no “Globo” semanalmente. Tipo, contracapa do Segundo Caderno. Mas lá tem neguinho muito mais foda do que eu, porra. Pra começar, ninguém fala palavrão. Não pega bem. Tem uma mulé que escreve sobre os gatinhos que sobem em árvores e não conseguem descer, da capivara que morreu afogada no arpoador, dos tatuís acasalando durante a primavera... Tem um maluco que sabe de todos os discos de todas as bandas de todas as épocas do mundo todo. Tem um outro que eu nunca consegui passar do segundo parágrafo, mas que deve ser bom. Eu que sou um bosta de não me interessar. Jabor e Joca, vocês não só estão salvos como têm todas as minhas honras, de verdade. Mas se eu fosse um de vocês e tivesse que escrever um artigo pra amanhã falando sobre o meu dia de hoje, seria mais ou menos assim:

TRAGÉDIA DA VIDA PÚBLICA

Quarta feira, 7 horas da noite. Clube Federal, Alto Leblon. Pelada dos Artistas. Supostamente, um treino para ‘famosos’ que jogam jogos de futebol beneficentes – quanta arte e solidariedade juntas! Nada mais adequado pra uma cidade que tem o Baixo Gávea como pólo cultural. Dentre os jogares que aqui estão, aqueles que participam da maior quantidade de festas de 15 anos são escalados pra ‘Copa do mundo dos artistas’, que acontece à custa dos nossos impostos, todos os anos, em alguma cidade aleatória do universo. Eles viajam, comem um monte de mulher, saem na capa da revista e ficam se achando mais bambambans que o vencedor do último BBB.

O engraçado é que cada um ali tem a sua persona. O comediante quer sempre fazer gracinhas. O galã vive com cara de mau. Quem não é nem uma coisa nem outra, tenta ser gente boa. Mas ali, pelo menos 70% acaba se mostrando marrento, mais cedo ou mais tarde. É a forma que encontram pra se defenderem em meio a tanta vaidade e vazio existencial. Têm aqueles que tentam imitar o Cristiano Ronaldo, fazendo firulas e caretas pras 350 câmeras dentro do estádio. A única diferença é que não há estádio, quem dirá câmeras. Somos um bando de pernas de pau querendo dar uma suadinha no meio da semana... Mas isso não entra na cabeça de certas pessoas de jeito nenhum.

Entre uma partida e outra, conversas triviais para descontrair o momento. Um fala que viu o Jesus Luz numa festinha por esses dias, tirando onda de chapeuzinho e charuto na área vip. ‘Fazendo estilinho’. Outro fala que se estivesse comendo a Madonna iria pra festa vestido de fralda, e que ainda sairia nas fotos das revistas com a seguinte legenda: “Fulano de tal, curtindo uma balada no seu novo look”. Todos caem na gargalhada e assim ficam por longos minutos. Ok, até que foi engraçado, mas não era pra tanto. O nome disso é ‘artistice’ - ou pelo menos é assim que eu chamo quando alguém que quer muito ser famoso pela o saco de alguém que já é muito famoso.

O assunto então ganha tônus. Alguém diz que a Madonna, apesar das plásticas e dos exercícios, já virou maracujá. Outro rebate com o dado de que ela é uma das cinco mulheres de maior notoriedade no mundo, e argumenta que só isso já lhe dá status pra ser comida. Fico imaginando de onde ele deve ter tirado esta teoria. Então vem de um poeta a metáfora de que o tal Jesus ‘ganhou na loteria’. Todos concordam, pensativos. Fico pensando que merda seria ser o Zé Pirú de alguém como a Madonna e ainda virar ídolo da classe ‘artística’ brasileira por isso - mas como sou o único ali a pensar algo do tipo, fico na minha.

As partidas se seguem, assim como os padrões. Alguém por favor me explique: por que quanto mais famosa a pessoa fica, mais mascarada ela se torna? É impressionante. E é impressionante como isso é alimentado por aqueles que orbitam ao seu redor. Uma indústria de monstros, essa é a nossa escola. E é bom passar despercebido por todos ali, de verdade. Não me sinto contaminado. Nada além de um cumprimento ou meia troca de palavras com os menos distantes. Gosto de ir lá pra jogar bola e observar. Observar o meio do qual faço parte. O tal inferno.


Sábado à noite, termino de revisar a coluna. Estou atrasado com o meu editor, mas como não tenho editor, tá tudo certo. Abro mais uma garrafa daquele vinho que estava em promoção essa semana no supermercado. Olho bem de perto pra mesa de madeira sobre a qual está o monitor e o teclado onde escrevo. Fico viajando. Ela é toda rajada numa cor entre o castanho e o cobre... É estranhamente linda. É algo que sempre estivera ali e eu nunca notara. Afasto-me e percebo que a mesa é toda linda, refletida pela luz do abajour, sob a fumaça de um incenso indiano. Acendo um cigarro. Estou no meu pequeno e isolado paraíso. Como eu disse, hoje é sábado à noite. Posso não ser nenhuma Madonna, mas sei dar minhas rodopiadas. Portanto, esqueço a mesa, o teclado, o monitor, o incenso... Cato o telefone e faço uma rápida busca em sua agenda.

Enquanto me visto, penso: quem sabe amanhã escreverei minha obra-prima. Ou depois da manhã, quando a ressaca tiver passado. Sinto as ressacas passando e eu ficando. Sinto as idéias passando e eu ficando. Sinto que preciso urgentemente dos meus amigos, de mulheres lindas e de uma praia deserta... Sinto que preciso me dar motivos, projetos pra serem celebrados. Sinto um vazio, mas isso já é normal.

1 Comments:

Blogger Fênix said...

É bem simples!

12:37 AM  

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