7.2.08

Carta de suicídio da quarta-feira de cinzas

I
Neste momento, homens em algum lugar do mundo estão trabalhando em máquinas de fazer salsichas, apertando parafusos em pára-choques de carros, lacrando garrafas de cerveja. Eu escrevo através do computador. Todos estamos sempre produzindo alguma coisa, construindo alguma coisa, mesmo que aquilo só faça sentido pra nós mesmos, ou pra nós e mais meia dúzia de babacas. O homem foi feito à imagem e semelhança de Deus ou vice-versa, e assim como nós, ele gosta de jogar boliche de vez em quando. Manda uma tsunami dos infernos e mata milhões numa só tacada. Nós bebemos cerveja, comemos salsichas, dirigimos carros, lemos qualquer merda e passamos a noite inteira derrubando garrafas de madeira que se erguem sozinhas. Estou me referindo ao boliche, caro leitor. Estamos construindo e destruindo, o tempo todo. Inclusive a nós mesmos, e Deus não foge à regra.

II
Tomamos um ácido em pleno carnaval e nos tornamos as pessoas mais felizes do mundo, suamos e babamos, mordemos os lábios, ou então batemos punhetas sucessivas vendo as putarias mais bizarras do mercado virtual, ou então comemos morango com chantily depois do jantar. Por algum momento, somos cem por cento emoção. Depois, exauridos, nos derretemos em tristeza e melancolia. Nunca entendi porque Deus não criou no cérebro algum lugar que armazenasse a emoção - lembramos apenas dos risos, das caretas, nunca das emoções. Pelo contrário, ficamos com a rebordosa, com o day after do que quer que se tenha usado, com as vacas magras de endorfina. No final, são sempre elas, as drogas. Saber controlar as substâncias que circulam pelas nossas veias é a grande arte de viver, somos alquimistas dos nossos próprios corpos. As drogas, naturais ou sintetizadas em laboratórios, são elas que nos levam aos altos e baixos, aos momentos em que nos sentimos realmente vivos.

III
O que diferencia o aparafusador do parafuso? Geralmente nada. Geralmente o homem é alguém que esqueceu o porquê de estar vivo e passou a obedecer passivamente ao calendário e à bíblia, ou a bula da pomada pra hemorróidas. As drogas, naturais ou sintéticas, corporais ou externas, elas correm a um nível constante nesses camaradas. E esse nível constante é o que inutiliza o aparafusador, o que o transforma em parafuso. Pra que serve um parafuso? Pra nada, a não ser pra prender pára-choque, que por sua vez também não serve pra nada, assim como os carros a que eles estão presos, assim como os computadores que nós usamos. São máquinas, utensílios que afastam o homem de sua função primeira, que é a de viver, a de equilibrar as drogas que conduzem as nossas emoções. Como eu cheguei a essa conclusão, só Deus sabe.

IV
Bem, voltando a Deus – estou falando bastante dele hoje -, podemos dizer então que nós, assim como o filho da puta que nos criou, somos cartesianamente divididos em duas esferas: as substâncias e os mecanismos. Somos basicamente drogas e máquinas; as drogas são os combustíveis do nosso aparato físico e mental, são o que nos faz seguir construindo e destruindo idéias e coisas. Eis a essência humana e a essência divina. Profundo pra caralho, vai acompanhando.

V
Quimicamente desequilibrado, sigo escrevendo como se houvesse algum amanhã, como se alguém fosse de fato ler esta merda. Mas na verdade toda esta construção tem seus dias (minutos? segundos?) contados, já que a qualquer hora essa máquina pode sucumbir e levar todas suas informações pro brejo, ou ainda o interlocutor que a constrói pode resolver deletá-la, ou ainda o interlocutor que a constrói pode morrer, ou pelo menos deixar de ser a mesma pessoa, ou sei lá, porra! O que quero dizer é que esta é uma carta de suicídio, logo eu estou prestes a deixar de existir, e assim como eu, as minhas idéias. Ou não, afinal é pra isso que serve o computador, certo? Caro leitor, como você pode ver, começo agora a me confundir (só agora?). Acho melhor abrir mais uma cerveja. Bem, é isso. Espero ter enfim destruído quem eu era quando comecei a escrever esse texto, aliás foi pra isso que eu comecei a construí-lo. Pra passar o tempo enquanto as endorfinas não voltam ao seu nível normal. Continuo fraco, mas pelo menos agora tenho sono, espero amanhã acordar sendo uma outra pessoa.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

"Não sabia que virar pelo avesso era uma experiência mortal".
:)
Olá, sacha.
dando uma passada, de blog para blog.
beijinhos,
Victoria

1:04 AM  
Blogger brecha coletivo said...

tá ficando bom isso

12:26 PM  

Postar um comentário

<< Home